domingo, 5 de julho de 2009

Honduras: foi golpe ou não foi?


Achei meio esquisita essa acusação de “golpe” em Honduras, a começar por que não me lembro de algum tipo de golpe na história que tenha partido da Suprema Corte do país – mas fica a ressalva de que partindo dos homens, tudo é possível.

O noticiário dizia que o presidente eleito, Manuel Zelaya, quis impor uma consulta popular de aumento de mandato, indeferida pela Suprema Corte, como não acatou a decisão, quebrando as regras, insistindo no referendo, o órgão maior da justiça o teria destituído. O exército o teria pego ainda de pijama e o mandado para fora do país. Vários chefes de Estado e a imprensa começaram a tratar o caso como “golpe de estado”.

Parece-me prerrogativa da Suprema Corte de um país – aqui, o Supremo Tribunal Federal – destituir o chefe do executivo em caso de cometimento de algumas faltas no cumprimento do mandato, independente de ter sido eleito ou não – como foi o caso de Sarney, em que o cargo de presidente da república lhe caiu no colo.

O jornal O Estado de São Paulo, de sábado, trouxe um artigo muito interessante de, Octávio Sanchez, advogado especialista em direito constitucional e assessor do antecessor do governo de Zelaya.

Sobre o golpe de Estado, ele é direto: “Isso é um absurdo. Na realidade, o que aconteceu aqui é simplesmente o triunfo da lei.”

A seguir, descreve os fatos e o que diz a lei, segundo sua interpretação.

“Segundo nossa Constituição, o que aconteceu em Honduras? Os soldados prenderam e mandaram para fora do país um cidadão hondurenho que, no dia anterior, por seus próprios atos perdera a presidência.
Estes são os fatos: no dia 26, o presidente Zelaya emitiu um decreto ordenando que todos os funcionários públicos participassem da 'pesquisa de opinião sobre a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte'.
Ao fazer isto, Zelaya desencadeou um dispositivo constitucional que automaticamente o tirou do cargo.
As assembléias constitucionais são convocadas para a redação de novas constituições. Quando Zelaya publicou o decreto para dar início a uma pesquisa de opinião sobre a possibilidade de convocar uma assembléia nacional, infringiu os artigos da constituição que não são passíveis de alteração, relativos à proibição da reeleição de um presidente e à prorrogação de seu mandato. Seus atos mostraram seu intento.
Nossa Constituição leva a sério este intento. Segundo o Artigo 239: 'Nenhum cidadão que já tenha ocupado o cargo de chefe do Executivo poderá ser presidente ou vice-presidente. Quem violar esta lei ou propuser sua reforma, bem como quem apoiar direta ou indiretamente tal violação, cessará imediatamente de desempenhar suas funções e estará impossibilitado de ocupar qualquer cargo público por um período de dez anos'.
Observe que o artigo fala em intento e também diz 'imediatamente' – ou 'no mesmo instante', ou 'sem necessidade de abertura de processo ', ou de 'impeachment'.”
Parece lembrar as tais “cláusulas pétreas” da Constituição brasileira, que também somente são alteradas em assembléias constituintes.

Segue o artigo. Mais pra frente o autor afirma: “A sanção instantânea da lei suprema impediu com sucesso a possibilidade de um novo continuísmo hondurenho. A Suprema Corte e o ministro da Justiça ordenaram a prisão de Zelaya, pois ele desobedeceu a várias ordens do tribunal, obrigando-o a obedecer à Constituição. Foi preso e levado para a Costa Rica. Por quê? O Congresso precisava de tempo para reunir-se e tirá-lo da presidência.
Com ele no país, isto teria sido impossível. A decisão foi tomada por 123 (dos 128) membros do Congresso presentes naquele dia.
Não acreditem no mito do golpe. Os militares hondurenhos agiram inteiramente dentro da Constituição. Eles nada ganharam, senão o respeito da nação por seus atos.
Estou extremamente orgulhoso de meus compatriotas. Finalmente, decidimos nos levantar e nos tornar um país de leis, e não de homens. A partir deste momento, aqui em Honduras, ninguém estará acima da lei.”

Todo noticiário deixou claro que Zelaya havia atentado contra as leis, mas as palavras deste jurista hondurenho deixou mais claro como as coisas aconteceram. Apesar de estar mais próximo de concordar com ele de que não houve golpe, confesso ter achado esquisito mandar para fora do país o presidente impedido. Se ele atentou contra as regras, que seja detido dentro do país. Distúrbios aconteceram mesmo com o presidente afastado fora do país.

Outra coisa que não ficou clara é sobre a suposta “carta de renúncia” que teria aparecido no Congresso – se não m'engano – mas o presidente alega não tê-la assinado.

De longe e com poucas informações é difícil julgar ou ter uma posição mais consistente. Parece que o presidente teria forçado a barra e a Suprema Corte teria partido de uma decisão legal mas cometidos atos suspeitos.

Existe meio golpe?

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